segunda-feira, 7 de julho de 2008

QUEM DIZ E O QUE DIZ, ou a imagem e a substância em política

É normal ouvir-se dizer, em especial no que diz respeito a eleições autárquicas, que "contam mais as pessoas do que os partidos". Esta é uma realidade genericamente aceite por todos nós.

E repare-se que só muito raramente ouvimos dizer que contam as ideias, os projectos, os programas ou as equipas. Não. Contam "as pessoas". Só.

Podemos então concluir, que a imagem projectada "pelas pessoas" vale mais do que aquilo que pensam, do que aquilo que projectam, do que aquilo que defendem? Talvez. Essa "imagem" resulta pois de um critério de empatia, de alguma forma abstracto (esporadicamente talvez não), sendo relegados para segundo plano critérios mais concretos e mais substanciais de análise, naquilo que são as motivações das opções dos eleitores.

É por isso que, também muitas vezes, ouvimos dizer que "vale mais meia-verdade na boca de fulano que mil verdades na boca de sicrano". Vale mais porque "passa" mais e melhor. Porque parece mais verdade. Porque a tal empatia por uma pessoa prevalece em detrimento da essência dessa verdade. É assim. Não há volta a dar. Talvez essa empatia, na maioria dos casos, não se explique, não tenha uma lógica de sustentação. Sente-se e pronto. Haverá porventura também, associado a este sentimento, uma avaliação empírica da credibilidade, do carácter e da personalidade de cada um. Só que na maioria dos casos, nós acabamos por nem conhecer bem "as pessoas" ao ponto dessa avaliação, ainda que empírica, ter alguma espécie de fundamento válido. Repito, é assim. Não há volta a dar.

Poderia deixar-vos aqui vários exemplos, mas escolho apenas um, por ser do conhecimento comum, até por razões de proximidade. Atente-se que este exemplo visa apenas sustentar o que atrás defendo e não fazer qualquer juízo de valor de carácter pessoal sobre os intervenientes.

No debate das eleições autárquicas de 2005, a dado momento foi discutida a questão das alegadas ligações de esgotos domésticos aos colectores de esgotos pluviais.

O então candidato do PSD alertou para o problema, facto que motivou de imediato apupos por parte de alguns elementos da assistência. Defendia ele, que o cheiro que emanava dos sumidouros no verão, sería um indício claro que águas putrefactas escoavam nos colectores de pluviais e que essas seriam oriundas de esgotos domésticos. O então candidato do PS, retorquiu, procurando "desmontar" a tese do seu interlocutor, afirmando implicitamente que isso não era verdade e que os maus cheiros dos sumidouros seriam apenas causados pela ausência de chuvas no verão, e que por isso a limpeza de águas paradas e "mortas" não se fazia com a mesma eficácia, sendo que a sua estagnação, provocaria então esse mau cheiro. O público aplaudiu efusivamente. Estas manifestações pareceram-me espontâneas e, dos manifestantes, nem dei conta que tivesse havido qualquer temporização para pensar um pouco. As reacções imediatas foram o apupo e o aplauso. Porém, ambas as teorias mereceriam que sobre elas se reflectisse por breves instantes, porque, à primeira vista, ambas poderiam estar certas.

Senão vejamos. Uma vez que nas ligações dos sumidouros não existe qualquer tipo de "sifonagem" nas ligações com os colectores de pluviais, qualquer matéria oriunda de esgotos domésticos a escoar nessas condutas, tende a "deitar" cheiro e esse passa necessariamente pelas grelhas. No verão, sem as tais "águas da chuva", que quando existem têm o efeito de "descarga de autoclismo", agravado pelo assoreamento dos sumidouros nessas épocas, essas matérias fazem o seu processo de decomposição no interior das condutas, daí o cheiro. Esta era uma teoria válida. E se era (e é) porquê o apupo? Pela empatia, ou neste caso, falta dela. A outra teorização da mesma questão, apontava para o problema do assoreamento dos colectores seria a base do problema e que as matérias obstruídas pelo mesmo e que as águas paradas (não de esgotos domésticos), fariam ali o seu processo de decomposição, resultando daí os cheiros. Dizia até o então candidato do PS, que com uma simples descarga de uma boca de incêndio o problema seria resolvido de imediato. Verdade insofismável, diga-se. Novamente o "efeito de descarga de autoclismo". Tenho para mim, pela intensidade dos odores, que a primeira teoria seria mais válida que a segunda. Mas foi a segunda a aplaudida. Porquê? Pela empatia com o candidato, não pelos argumentos a discussão, não pela teorização do problema. Apenas porque foi o B e não o A a dizer.

Mas, neste caso, não ficámos apenas por aqui. O candidato do PS, pese embora já tivesse tirado partido da discussão, saindo por cima, não resistiu e afirmou que afinal a acusação feita pelo candidato do PSD tinha fundamento e que é um problema de facto, conhecido à décadas no Concelho. No rápido raciocínio que fiz no momento, pensei que esta contradição seria penalizadora para o primeiro, porque afinal estava a dar razão ao segundo, depois de ter procurado demonstrar o contrário. Não havia necessidade, pensei eu, porque esse "jogo" já estava ganho, em termos de aceitação popular, que era o que contava. Porém, com a reconhecida habilidade no discurso do candidato do PS e com introdução da, não menos hábil e popular frase "não vamos afrontar as pessoas ... não vamos entrar em casa das pessoas para ver se têm ligações mal feitas" essa contradição não foi considerada pelo público, voltando a ouvir-se uma estrondosa ovação.

Conclusão: no final estavam todos de acordo. Haviam ligações ilícitas de esgotos domésticos a pluviais, todos a conheciam à décadas e era um problema de facto. Afinal era pacífico que o mau cheiro vinha dali.

Resultados: apupos para um, aplausos para outro. Mais aplausos para o que se contradisse, mais apupos para o que levantou a questão e foi mais coerente. Porquê? Pela empatia e pela falta dela. O que contou foi quem disse, não o que disse. Neste jogo de "assobia-aplaude" também contou o que teve mais jeito para dizer o que disse, que resultou bem melhor do que aquilo que realmente disse. Perdeu o com menos jeito para dizer, até porque muitos já estavam "formatados" para não o ouvir. Falta de empatia, pois claro.

Esta empatia, ontem por uns, hoje e amanhã por outros, é um factor que, em política (não só local) é absolutamente decisivo. E isto tem que ser entendido como uma realidade. Para o bem e para o mal.

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