quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

RECORDAR SÁ CARNEIRO

Francisco Sá Carneiro
1934/1980
No dia do aniversário da sua morte, recordar Sá Carneiro é um acto de pura justiça e reconhecimento por tudo o que representou para Portugal.

Francisco Manuel Lumbrales de Sá Carneiro foi um dos políticos mais marcantes da história política portuguesa do século XX e quiçá um dos mais apaixonantes estadistas que Portugal viu nascer. Norteado pela conquista da democracia pela via política, teve ainda a audácia de desafiar os preconceitos da sociedade onde vivia, sendo por alguns apelidado de um herói romântico. Sá Carneiro, homem de fortes convicções e de imenso carisma, conquistou algo raro em política, em especial à época em que a exerceu: a simpatia e o respeito de amigos e adversários. Assumindo com frontalidade a sua visão para o País, marcou a sua época advogando a construção de um estado democrático integrado na Europa. Utópico para alguns, visionário para muitos, Sá Carneiro conquistou por direito próprio um amplo apoio da comunidade nacional.

Nascido no Porto no seio de uma família da alta burguesia, cedo começou a frequentar os círculos mais progressistas da Igreja, ele que era um católico praticante. É aí que começa a defender publicamente a transformação do regime numa democracia parlamentar. Eleito deputado em 1969 integrando as listas do partido único de então, a Acção Nacional Popular (ANP), liderou a saudosa Ala Liberal, onde se destacou pela defesa de uma democracia assente nos modelos vigentes na Europa Ocidental, sendo então o motor de um projecto de revisão constitucional. Vendo que não conseguia furar as resistências do regime, em plena Primavera Marcelista, renunciou ao mandato para o qual havia sido eleito. Em 1973 iniciou uma breve actividade de cronista no “Expresso”. Pese embora a censura da época lhe colocar alguns entraves, Sá Carneiro consegue mobilizar a consciência da sociedade civil.

Funda, após a revolução de Abril o Partido Popular Democrático (PPD), juntamente com Francisco Pinto Balsemão e José Magalhães Mota. Foi o seu primeiro secretário-geral e é ainda hoje considerado como líder histórico do Partido. Dizia aquilo que pensava, ainda que fosse tido como politicamente incorrecto. Foi um dos primeiros políticos em Portugal a criticar a influência excessiva que o movimento das forças armadas exercia na política nacional. Este tipo de atitudes e de ideias fez com que muitos o considerassem um perturbador. Ministro sem pasta em diversos governos provisórios, foi eleito deputado à Assembleia Nacional Constituinte e, mais tarde, para a I Legislatura da Assembleia da República.

Nesse mesmo ano, Sá Carneiro conhece em Lisboa a editora dinamarquesa Ebbe Merete Seidenfaden, conhecida por "Snu" Abecassis, enfrentando uma grande transformação na sua vida. Apaixonado e sem receios das implicações políticas do acto, Sá Carneiro rompe com um casamento já longo, naquilo que muitos consideraram à época como uma atitude eminentemente revolucionária, não deixando de ter sido para a sociedade da época um verdadeiro escândalo.

Em 1997, o PPD passa a denominar-se como Partido Social Democrata (PSD). Em finais de 1979 criou a Aliança Democrática, coligação entre o PSD, o CDS, de Diogo Freitas do Amaral, e o Partido Popular Monárquico, de Gonçalo Ribeiro Telles. A coligação venceu as eleições legislativas desse ano com maioria absoluta. Foi a primeira vez que um líder da oposição passou a chefiar o governo, ganhando as eleições. Para muitos, inclusive para alguns historiadores, essa vitória ficou intimamente ligada à força de Sá Carneiro, às suas convicções e à sua preserverança. Sá Carneiro receou ainda não ser nomeado primeiro-ministro pelo facto de não estar legalmente casado, mas não passariam de receios infundados, já que o peso do tradicionalismo desaparecera entretanto. Tomou posse como primeiro-ministro em 3 de Janeiro de 1980.

Foi contudo demasiado curto o "reinado" de um dos maiores estadistas portugueses como governante, que viria a durar apenas 11 meses. Em 04 de Dezembro de 1980 (faz hoje precisamente 28 anos), Sá Carneiro morre de forma trágica num acidente de aviação em Camarate, quando se aprestava para se deslocar ao Porto afim de participar num comício do seu homónimo, o general Soares Carneiro, candidato presidencial apoiado pela AD.

O avião onde seguia, um pequeno Cessna, despenhou-se instantes após a descolagem. Sá Carneiro teve morte imediata, juntamente com Snu Abecassis e o ministro da Defesa, Adelino Amaro da Costa. Hoje, decorrido mais de um quarto de século desde a sua morte, continuam muitas dúvidas no ar em relação às ocorrências que envolveram a sua morte: a de acidente (eventualmente motivado por negligência na manutenção do avião) ou a de atentado (desconhecendo-se quem o perpetrara e contra quem teria sido - Sá Carneiro ou Amaro da Costa). Alguma comunicação social da época, chegou a alvitrar que estes dois levavam na sua posse provas de corrupção e negociatas da parte da ala esquerda política envolvendo o partido comunista português e também socialistas.

Seja como for, Portugal, o Portugal democrático por que tanto lutou, deve-lhe ainda a clarificação dessa questão.

O "meteoro dos anos 70" durou apenas uma década, demasiado pouco para quem tinha tantas qualidades para ajudar a firmar a democracia em Portugal e a sua integração no mundo ocidental. Mas deixou uma marca eterna, daquelas que ninguém jamais conseguirá apagar.

No dia da sua morte, era eu ainda uma criança com 9 anos, recordo a consternação e o pesar com que os meus pais receberam pela TV a triste notícia. O meu pai em especial, era um fervoso entusiasta e seguidor de Sá Carneiro. Lembro-me desse luto e dessa consternação ter durado algumas semanas, intrigando-me na altura como seria possível alguém que nem sequer conhecíamos abalar de forma tão profunda o estado de espírito da nossa família. Sá Carneiro foi isso. Alguém capaz de fazer com que o aplaudissem, o seguissem, nele acreditassem mas também capaz de fazer com que várias centenas de milhar de pessoas chorassem o seu desaparecimento.

É esta a marca dos grandes homens e esta recordação é, necessariamente, um património de Portugal.

Este artigo, é apenas a minha singela e humilde homenagem a uma figura incontornável da nossa história.

2 comentários:

MGomes disse...

Não sei se será uma figura incontornável da nossa história..., do PSD, selo-á com toda a certeza!
Mas se me permite uma pequena observação sobre este texto de homenagem ao Dr. Sá Carneiro, dir-lhe-ei o seguinte: há-de sempre existir em muitos de nós aquela tendência de glorificação a pessoas que por circunstancionalismos abruptos da vida a interromperam em dado momento do seu percurso e por isso deixaram a quem delas gostavam, uma sensação de saudade pelo desempenho interrompido que tiveram nas suas mais variadas actividades sociais! Sá Carneiro teve uma curta vida política no pós vinte e cinco de Abril.Não chegou a concretizar uma carreira política, como outros da sua geração o fizeram! Não podemos por isso, avaliá-lo noutras circunstâncias e em cenários politicos diferentes onde pudesse colocar ao serviço do partido e do país o seu carisma politico, por tantos admirado.
Imaginemos outros que já se retiraram da vida politica por razões da idade, o tivessem feito antes, depois de terem terminado com o êxito por muitos reconhecido, o combate em defesa da democracia ou então ainda, reorganizado as Forças Armadas ou mesmo até equilibrado financeiramente o país! Seriam certamente desejados e admirados de forma muito diferente ao que são hoje..., no país e no partido!

Um Abraço e parabéns por esta excelente página a favor das ideias e da Golegã!

José Godinho Lopes disse...

Caro Sr. Manuel Gomes,
O prazer com que o vejo a voltar a intervir neste blogue é o mesmo com que me permito responder ao seu comentário.

Concordo com a teorização que apresenta sobre a glorificação póstuma, tendência que revelamos (em especial nós, portugueses) com alguma insistência. Essa, agudiza-se quando os desaparecimentos das pessoas ocorrem de forma trágica, prematura e inesperada. De acordo.
Igualmente de acordo quanto afirma (permita-me citá-lo) “Não podemos por isso, avaliá-lo (a Sá Carneiro) noutras circunstâncias e em cenários políticos diferentes onde pudesse colocar ao serviço do partido e do país o seu carisma politico, por tantos admirado.” E esta é uma questão essencial. É que não podemos mesmo. Porque não passariam de pressupostos, subjectivos e susceptíveis de erros de análise.

É por isso que acho que Francisco Sá Carneiro, nas circunstâncias em que viveu (politicamente), independentemente da duração da sua carreira política, marcou uma época, um partido e um País.
Marcou um País pela mudança de rumo que lhe propôs. Pelo modelo político que sugeriu e, em certa medida, concretizou. Pela capacidade de ver à frente. Marcou um País pela sua capacidade de pela via política, não revolucionária, contribuir de forma decisiva para uma nova forma de pensar a política e Portugal.

Não o digo por motivos da tal glorificação póstuma. Digo-o com convicção, cingindo-me a dados objectivos, resultantes da sua intervenção.

Obviamente que a minha admiração não será alheia ao facto de me rever na sua doutrina, na sua forma de praticar política e no seu conceito de sociedade ocidental, que ainda que defendida à época e se reparar, tem imensos pontos que ainda hoje nos são contemporâneos.

Não teve tempo, infelizmente, de concretizar o muito que (penso) tinha para dar a Portugal. Percebo o seu ponto de vista e leio nas entrelinhas uma comparação com outras figuras da história política nacional, com carreiras mais duradouras, que tiveram que enfrentar o desafio colocado pelas constantes mutações político-sociais. Houve outros, felizmente muitos outros, que merecem o mesmo destaque independentemente da minha concordância ou do meu seguidismo doutrinário.

Pena que 30 deputados do partido que ajudou a fundar, lhe tivessem dado uma “prenda” logo no dia a seguir ao aniversário da sua morte, que não o encheu propriamente de orgulho, esteja ele onde estiver.

Mas é assim. É a vida.

Volte sempre.
Um abraço.