quinta-feira, 17 de abril de 2008

URBANISMO - NOVOS CONCEITOS PRECISAM-SE

Sou daqueles que apreciam a arquitectura de cariz vincadamente rural, aquela que nos é característica e que faz parte da nossa identidade cultural. Aprecio as linhas simples e despretensiosas; o interessante "diálogo" da cal das paredes com o barro das telhas de canudo dos telhados; das cantarias calcárias com os ocres, os óxido de ferro e os azulões dos socos e cunhais; as janelas e portas de madeira pintadas de verde e "sangue de boi"; as chaminés, as cimalhas. As "trapeiras" emergentes dos telhados. As volumetrias discretas e perfeitamente integradas quer na urbe quer no campo.

Esta harmonia arquitectónica, quando devidamente cuidada, confere às nossas terras e lugares um encanto especial, que além de esteticamente agradável, preserva uma parte da identidade cultural que referi e respeita, ao mesmo tempo, a herança patrimonial, legado que deve ser encarado com seriedade.

A Câmara Municipal tem sabido, através dos mecanismos reguladores (em especial através do PDM) e sob a interveniência do indiscutível bom gosto do seu Presidente nesta matéria, não obstante um pecado ou outro pelo caminho, garantir a orientação necessária para a preservação dessa matriz, contribuindo para a não descaracterização da zona urbana consolidada.

Porém os tempos mudaram. Mudou a nossa indumentária, mudou o design dos nossos carros, os adereços estéticos que usamos, os nossos computadores, os nossos telefones. Os conceitos urbanísticos foram aperfeiçoados e as tendências das construções contemporâneas, quer ao nível da introdução de novas técnicas, quer ao nível da introdução de novos materiais, são hoje uma realidade com que temos que saber lidar.

O potencial criativo foi sendo revisionado, repensado e adaptado aos novos tempos. Temos vindo a assistir em inúmeras situações à coabitação de tendências arquitectónicas bem divergentes que resultam muitas vezes em diálogos interessantíssimos entre tradição e modernidade, entre passado e presente. O exemplo mais mediático, nem por isso recente, trata-se talvez do CCB, bem junto ao excepcional mosteiro dos Jerónimos. Coabitam ali duas marcas arquitectónicas de Portugal, de tempos diferentes mas ambas marcantes.

No nosso Concelho como disse, regulamenta-se no sentido de preservar a nossa identidade arquitectónica, o que louvo, mas estamos de costas viradas para o potenciar do desenvolvimento criativo de construção, nomeadamente de habitação, ao impedir tudo o que não se reveja, conceptualmente, na tal identidade. Apesar do meu gosto pessoal, não me permito excluir novos conceitos que os novos tempos nos têm trazido. E vão continuar a trazer. Aliás, ninguém deve pretender subordinar a capacidade de criação arquitectónica aos seus próprios ideais, aos seus próprios gostos, à sua própria educação urbanística e ambiental.

Entretanto, a CMG tem guardado para si essa capacidade criativa, introduzindo nos edifícios destinados a serviços de sua propriedade, novas soluções, numa ruptura clara e assumida com o tal legado arquitectónico, dando-se a si própria essa exclusividade. É um caminho questionável, como questionável é o critério de exclusividade, que impede projectistas e promotores de colocarem no mercado "produtos" urbanísticos mais consentâneos com o tempo novo, que está aí.

Mais prudente e razoável seria "abrir" o Concelho a esses conceitos, determinando contudo em sede própria (PDM) as delimitações da implantação de edificações de traça eminentemente contemporânea, devendo continuar a garantir no núcleo urbano mais tradicional a referida identidade cultural que advém dos princípios arquitectónicos.

Esta solução acabaria com os efeitos nefastos e descriminatórios da tal exclusividade, não deixando ainda assim de garantir a necessária e imprescindível defesa da nossa traça.

A perspectiva actual está gasta, sendo aconselhável por isso introduzir-lhe alguns ajustamentos estratégicos. Em nome de um Concelho tradicionalista mas virado ao futuro.

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